domingo, 14 de março de 2010

MINA D`ÁGUA


mina d´água
mina d’água,
lá no fundo do grotão
corria manso o ribeirão.

Mina d’água,
mina d’água,
dos arvoredos ao lado
dos sabiás e das rolinhas
da passagem escorregadia,
de tantos rastros cansados.

Mina d’água,
mina d’água.
em teu barranco enfeitado
de samambaias
de avencas
e de musgos
em tua bica murmurante
quantas vezes matei
a minha sede”?

Mina d´água,
mina d`água.
A patética nave dos janeiro
levou-me pra longe de ti,
oh! Saudosa mia d`água!

CAMINHO DA ROÇA


Havia muito cascalho
espalhado pelo caminho da roça,
da roça que tinha
um caminho estreito, tão estreito
que mal cabia uma carroça.

Sentia-se ao longe
o azedume das frutas,
as mangas apodreciam aos montes,
as laranjas apodreciam aos montes,
montes que enchiam carroças.

Oh! Curvas fechadas
na minha eterna saudade
do caminho estreito da roça!
por lá hei de voltar
algum dia feito criança feliz
num passeio de carroça.

NOITES NA CAPELA

NOITES NA CAPELA


Aos sábados e domingos lá na roça
quando céu se enfeitava de estrelas
tocava o sino da capela.
Em seguida,
entrava no ar
o serviço de alto-falante
da capela de Nossa Senhora de Fátima
apresentando aos ouvintes
uma programação de músicas variadas.

Como sempre
era mais uma melodia
que ondulava melancolicamente
pelas quebradas dos morros.
No repique da viola
a música contava uma história
de um amor fracassado
ou de um amor traído.

No frenesi contagiante da roça
ajuntava num segundo
um imenso povaréu.
_”Essa música que vamos ouvir
fulano oferece para cicrana
com provas de muito amor e carinho...”
Enquanto a música tocava
os jovens se assanhavam
no vai e vem das mocinhas.
Os rapazes formavam duas fileiras
e as prendas preciosas desfilavam no meio.
Os mais atirados faziam gracejos
tentando chamar atenção
da morena que tinha
um corpo de violão
que passava toda faceira...

Pela segunda vez
o sino da capela tocava...

A multidão aumentava.
os moleques safados
atiravam carrapichos
nas saias das mocinhas.
As mulheres fofocavam
pelos cantos da capela.
Os homens contavam causos
nos bancos da barraca.
Os namorados disputavam
os lugares escuros
e lá trocavam juras de amor.

O sino da capela
pela terceira vez tocava...

Neste momento sai do ar
o serviço de alto-falante
da Capela de nossa Senhora de Fátima
prometendo voltar,
assim que a reza terminar...

Por alguns segundo,
o silencio era total.
Cada um tinha o seu lugar certo.
Os velhos ocupavam os bancos da frente,
os jovens ficavam pelos fundos...
O mais engraçado
é que se conhecia a tosse de cada um.
As roupas eram sempre as domingueiras.

Para variar,
antes da reza do terço começar,
o pobre sacristão
ficava as turras
com os cachorros vira-latas.
Que arreganhavam os dentes
ameaçavam morder...
Arre, que trabalho danado,
para expulsar a matilha pulguenta do templo!

O terço era uma eterna rotina.
ficava fervoroso na ladainha e no canto final...
A fé dos fiéis se agigantava,
como cantavam as Filhas de Maria!...
Como cantavam os Congregados Marianos!...

Depois em menos de um segundo
a capela ficava vazia...
_ Retorna ao ar o serviço de alto-falante
da Capela de Nossa Senhora de Fátima...

Novamente a poeira levantava,
era festança na roça...
O tio Manecão,
o velhote e fanfarrão
agitava a criançada.
O amalucado Pipa
suava em bica,
correndo atrás do Indé...

Lá pelas tantas, antes da meia noite,
compadres e comadres se despediam,
entre abraços e apertos de mãos
a última canção tocava.

Neste momento, sai do ar
o serviço de alto-falante
da Capela de Nossa Senhora de Fátima
prometendo voltar no sábado que vem.

VÍDEO - PASTO VERDE

PASTO VERDE


No pasto verde
as vacas ruminavam
o capim do tempo.
Os coqueirais brincavam
com a minha cabeça
e tudo tinha asas.
Luzes misteriosas
voavam sobre os morros
e as lamparinas
eram estrelinhas aladas
caídas do céu

No pasto verde
as vacas dormiam
enquanto os tios
contavam histórias.
Na minha cabeça
tudo tinha asas...
O homem pisou na lua
e o mundo não acabou.

Do pasto verde
as vacas sumiram.
Caíram por terra
as profecias da vovó.

MEU RIBEIRÃO


Meu ribeirão,
meu ribeirão.
Como se fosse
um lago encantado
onde as crianças
nadavam,
brincavam
de pega, pega
pega ladrão...
Só que ladrão
ninguém era não.

Meu ribeirão,
meu ribeirão.
As crianças cresceram
ganharam o mundo
e tu ficaste com tuas pedras,
tuas corredeiras,
teus peixinhos,
prisioneiros,
abandonados
em tua melancólica rotina.

Meu ribeirão,
meu ribeirão.
Maldita geografia
que ignora tua poesia!...

MORRO DO GABRIEL


No verde,
tão verde
das árvores rasteiras,
das benquistas goiabeiras
escondias um verde,
mais verde ainda...
Era o verde
dos musgos umedecidos
sobre pedras adormecidas...

Morro do Gabriel
palco dos pássaros que cantavam,
das borboletas que bailavam
diante das flores silvestres...

Morro do Gabriel
dono de uma luz misteriosa
que vagava sobre os arvoredos
nas noites sem luar.
Era uma luz confusa
que roubava meu sono de criança,
quase em pranto,
fechava os olhos
e a luz não se apagava.

VÍDEO - MANGUEIRA MAJESTOSA

MANGUEIRA MAJESTOSA


Mangueira, verde,
Dadivosa, florida...
Há quanto tempo
és árvore mãe completa?...

Nos galhos rudes e tortuosos
gerações de crianças malabaristas
brincaram, ainda brincam...
Por quanto tempo hão de brincar?

Eras abrigo de pássaros cantores.
Nas tuas folhas verdes a canção do vento
quebra a monotonia do tempo.
Há quase um século
roubaste um espaço,
tornaste árvore absoluta,
nos tempos áureos das moto-serra.

Manga, mangueira.
Manga doce mel...
De bigodes amarelos
As crianças se deliciavam.
Sob o frescor sombrio
de teus galhos frondosos,
eu, poeta menino,
quase dormia.

CHEIROS DA NATUREZA


Ainda sinto o cheiro
da relva orvalhada,
da terra fértil molhada
pelas chuvas de janeiro.
Ainda sinto o cheiro
das mangas maduras,
dos cravos e das rosas,
dos currais e dos galinheiros.

Ainda sinto o cheiro
do cafezal florido,
dos humos pútridos
e das velas queimando na capela.
Ainda sinto o cheiro
do capim gordura, ao vento bailando,
das cabras e dos bodes pastando
diante da minha acanhada janela.

Ainda sinto o cheiro
dos paus de fumos perfilados ao sol,
das espigas de milho no paiol
e do café secando no terreirão.
Ainda sinto o cheiro
dos araticuns floridos,
dos arreios velhos esquecidos
nas paredes do galpão.

Ainda sinto o cheiro
do moinho de fubá,
de um pobre gambá
no tronco oco da goiabeira,
das uvas maduras no parreiral,
das roupas secando no varal
e do perfume da cabocla namoradeira.