quarta-feira, 17 de março de 2010

FILOSOFANDO


A minha alma
é a parte superlativa do meu ser.
É eterna e única.
O resto de mim
é matéria bruta descartável,
muito mais de água que evapora,
bem menos de carne que é prazer e dor.

Eu sou um misto semelhante ao do meu criador
que uma vez criado
multiplicaram-se as interrogações e as entrelinhas...

Não tenho tempo para me preocupar
com as críticas de quem venha ler
este poema arrancado das entranhas do poeta.
Se não for do agrado do leitor
danem-se o mundo, as críticas e as razões...

Deixemos de lado os arranhões,
as teias de aranhas e os arranca-rabos...
Se parte da poeira já abaixou,
então fica melhor vislumbrar o horizonte...
Como tem entulho nesse atalho de vida!

Vamos ao que realmente nos interessa:
Pra que transpor um monte de cascalho...?
Pode até que venha luzir
um belo diamante no final do túnel...
Ou quem sabe, um prato de vaga lumes grelhados,
nos espera sobre a mesa ao jantar?...

Ora essa, se o tempo é uma jaula,
os homens são como feras,
será o poeta uma raça em extinção?

Alguém poderá gritar pelos nomes de:
Airton Senna,
Mamonas Assassinas,
Curutuba,
Lebrinha...
Qual destes foi o menos herói?

Nesta altura do campeonato
confirmo com arrogância uma coisa banal;
a de não acreditar em horóscopo...
Sei que o meu Deus está nos astros,
mas os astros não são deuses,
são apenas astros.

Roubaram-me um dia inteiro na internet...
Perdi todo o meu tempo.
Não encontrei nada que pudesse ser comparado
com o odor impar da natureza em flor.

Fui até uma esquina de uma rua qualquer
pra me encontrar com aqueles que têm todo
tempo do mundo para vadiar...
já era uma outra era,
foi tudo por água abaixo.

Não fumo, nem sou alcoólatra.
Mas se tudo é droga.
Tem droga no ar que respiro,
na água que mata a minha sede,
em tudo que como tem droga...
Droga, droga, droga...
Às vezes a pior de todas as drogas
é a própria família.
Pense nisso, ou me chame de louco.

Não sou santo e nem ateu,
mas mete-me um tremendo medo
quando fito o céu estrelado
e percebo que está faltando uma estrela...
Aquela estrelinha namoradeira
que ainda ontem beijava
o destronado planeta plutão.

Já morei no campo,
já fui lavrador.
Já fiz de tudo quanto serviço tinha por lá...
Só não levava jeito para ordenhar as vacas.

Vim para a cidade
com dezoito janeiros contados.
De que me adianta ser hoje um professor
se os meus sonhos
ainda são de tico-ticos e de rolinhas.

Volta e meia o mundo se volta contra mim...
Nessas voltas, sem volta,
procuro como quem procura
uma agulha no palheiro,
uma palavra mágica,
uma saída secreta,
uma chave triunfal...
Mas, sei lá se ainda quero voar,
para além das nuvens,
se nem amarrado me pegam Num avião.

terça-feira, 16 de março de 2010

ENXADA DE BRONZE, CANETA DE OURO


Aos oito anos de idade,
no dia do meu aniversário
ganhei do meu pai
uma enxadinha de presente.
Era uma ferramenta impar,
jeitosa, novinha em folha,
cheirando a tinta.
Orgulhosamente mostrava a todos
aquela ferramenta
meio de brinquedo,
meio de verdade.

A minha amiga
era uma relíquia rara.
Às vezes em pleno
feriado escolar
ensaiava ao lado de meu pai
a arte milenar de capinar.

Gostava tanto da minha enxadinha!
Ninguém podia relar a mão nela.
Ai daquele que colocasse a mão no cabo dela
já arrumava uma tremenda confusão.
Antes do anoitecer,
lá estava eu com a minha enxadinha
trocando confidências.
Éramos tão amigos!...
Tínhamos lá os nossos segredos.
Não via à hora de crescer
e de me tornar rei da enxada.
Era como se ela me aconselhasse
a levar a sério os estudos,
ser alguém na vida:
Um doutor,
um professor
e por quê não
um poeta?

A minha amiga estava certa,
mas eu era teimoso!
O que eu mais queria
era ser um lavrador
de mãos calejadas,
um puxador de cabo de enxada
Igualzinho o meu pai.

Era como se ela me dissesse:
_ Pobre menino!...
Isso não dá futuro,
larga de ser tolo!...
A vida de lavrador
é muita luta,
muito suor
e pouco pão.

Aos doze anos de idade,
também no dia
do meu aniversario
ganhei pela segunda vez do meu pai
uma enxada de verdade...
Adeus escola!...
Adeus professora!...
Adeus coleguinhas estudantes!...
Troquei o caminho da escola
pelo caminho da roça.

O sol queimava
a minha cabeça,
o suor molhava
as minhas roupas.
As minhas mãos
foram ficando
grossas de calo.
O matagal não parava
de crescer no cafezal.
No eito, só mato que tombava,
eu era mesmo bom de enxada.

Aos poucos fui me esquecendo
de tudo que aprendi na escola.
Aquela vida de lavrador
era osso duro de roer.

Aos dezoito anos de idade
dei meu grito de liberdade.
Chutei pro alto
todas as enxadas do mundo!
Troquei o campo pela cidade,
como um caipira do mato
retomei o caminho da escola.
Troquei a enxada pela caneta,
que foi a minha salvação.

segunda-feira, 15 de março de 2010

HOMENAGEM A MINHA MÃE


Na plenitude de uma mulher,
Como se fosse
um misto de flor e de fruta,
um semblante majestoso,
Uma estrela universal,
uma purificada rosa,
uma abençoada maçã...

Em campos
cobertos de lírios,
tuas dores,
teus delírios
são preces,
são ensinamentos registrados
em cada fio de cabelo prateado.

Eu sou o fruto primogênito,
do teu ventre, mãe universal.

HOMENAGEM AO MEU PAI


Meu pai, meu pai.
Quantas recordações
acumularam-se em minha cabeça!
Éramos como duas crianças felizes
pelos caminhos orvalhados da roça.
Tu ias à frente
e eu atrás.
Tu abrias as porteiras
de arame farpado
e juntos passávamos
como dois andarilhos...

Meu pai, meu pai.
Era mais um dia de trabalho,
os nossos corpos cansados,
as nossas calças enegrecidas de picão,
como fadigavam as nossas pernas!

Retornávamos a casa ao entardecer.
Tu carregavas um pau de lenha
sobre os ombros
e eu um saco de milho as costas.
A cada passo que andávamos
a carga ficava mais pesada.
Ainda bem meu pai que as sombras
de frondosas mangueiras descansávamos.

Meu pai, meu pai.
Sob a luz da lamparina
eu era saciado
pelas histórias de tua vida.

Meu pai, meu pai.
Um novo dia amanhecia
e lá retornávamos nos
pelos caminhos
abençoados da roça...
Que saudade meu pai
do cafezal florido,
do milharal embonecado,
do arrozal cacheado,
dos pés de laranja lima,
do ranchinho de sapé
da mina d’água lá no grotão
e daquela enorme figueira
onde os pássaros cantavam.
Cantavam, meu pai.
Hoje não cantam mais.

Meu pai, meu pai.
Lá bem distante
onde era o nosso roçado
ainda se planta saudade.

SAUDADES DO CERNE


Oh! Que saudades das paineiras,
da varanda hospitaleira,
do casarão da vovó
era eu, o Luiz e o Zé
no terreirão de café
ninguém ficava só.

Oh! Que saudades do cafezal florido.
Dos milhares de sonhos coloridos
e do sino da capela a tocar.
Era o enigmático sacristão
chamando o povo para rezar.

OH! Que saudades do caminho da roça,
das pedras e da carroça,
das mangas rosa e espada.
Da escolinha amarela,
tão pequena e tão bela
bem na beira da estrada.

OH! Que saudades do morro do Gabriel,
das goiabas doces como mel
e do pão caseiro da tia Piedade.
O tio Manuel historiava,
o tio Américo rezava,
ambos já partiram para a eternidade.

HOMENAGEM A PRIMEIRA PROFESSORA


Ave Maria,
Maria perpétua,
Perpetua Maria...

Ave infinita,
ave eterna.
Maria Perpétua
Perpétua Maria.

Ave Maria,
Maria eterna,
Perpétua de paz.

Ave Maria.
Caminho de luz,
cascata de amor,
fonte de energia,
de o verbo saber...

O que eu sei Maria
contigo aprendi.
Maria Perpétua,
eterna até no nome!

domingo, 14 de março de 2010

MINA D`ÁGUA


mina d´água
mina d’água,
lá no fundo do grotão
corria manso o ribeirão.

Mina d’água,
mina d’água,
dos arvoredos ao lado
dos sabiás e das rolinhas
da passagem escorregadia,
de tantos rastros cansados.

Mina d’água,
mina d’água.
em teu barranco enfeitado
de samambaias
de avencas
e de musgos
em tua bica murmurante
quantas vezes matei
a minha sede”?

Mina d´água,
mina d`água.
A patética nave dos janeiro
levou-me pra longe de ti,
oh! Saudosa mia d`água!

CAMINHO DA ROÇA


Havia muito cascalho
espalhado pelo caminho da roça,
da roça que tinha
um caminho estreito, tão estreito
que mal cabia uma carroça.

Sentia-se ao longe
o azedume das frutas,
as mangas apodreciam aos montes,
as laranjas apodreciam aos montes,
montes que enchiam carroças.

Oh! Curvas fechadas
na minha eterna saudade
do caminho estreito da roça!
por lá hei de voltar
algum dia feito criança feliz
num passeio de carroça.

NOITES NA CAPELA

NOITES NA CAPELA


Aos sábados e domingos lá na roça
quando céu se enfeitava de estrelas
tocava o sino da capela.
Em seguida,
entrava no ar
o serviço de alto-falante
da capela de Nossa Senhora de Fátima
apresentando aos ouvintes
uma programação de músicas variadas.

Como sempre
era mais uma melodia
que ondulava melancolicamente
pelas quebradas dos morros.
No repique da viola
a música contava uma história
de um amor fracassado
ou de um amor traído.

No frenesi contagiante da roça
ajuntava num segundo
um imenso povaréu.
_”Essa música que vamos ouvir
fulano oferece para cicrana
com provas de muito amor e carinho...”
Enquanto a música tocava
os jovens se assanhavam
no vai e vem das mocinhas.
Os rapazes formavam duas fileiras
e as prendas preciosas desfilavam no meio.
Os mais atirados faziam gracejos
tentando chamar atenção
da morena que tinha
um corpo de violão
que passava toda faceira...

Pela segunda vez
o sino da capela tocava...

A multidão aumentava.
os moleques safados
atiravam carrapichos
nas saias das mocinhas.
As mulheres fofocavam
pelos cantos da capela.
Os homens contavam causos
nos bancos da barraca.
Os namorados disputavam
os lugares escuros
e lá trocavam juras de amor.

O sino da capela
pela terceira vez tocava...

Neste momento sai do ar
o serviço de alto-falante
da Capela de nossa Senhora de Fátima
prometendo voltar,
assim que a reza terminar...

Por alguns segundo,
o silencio era total.
Cada um tinha o seu lugar certo.
Os velhos ocupavam os bancos da frente,
os jovens ficavam pelos fundos...
O mais engraçado
é que se conhecia a tosse de cada um.
As roupas eram sempre as domingueiras.

Para variar,
antes da reza do terço começar,
o pobre sacristão
ficava as turras
com os cachorros vira-latas.
Que arreganhavam os dentes
ameaçavam morder...
Arre, que trabalho danado,
para expulsar a matilha pulguenta do templo!

O terço era uma eterna rotina.
ficava fervoroso na ladainha e no canto final...
A fé dos fiéis se agigantava,
como cantavam as Filhas de Maria!...
Como cantavam os Congregados Marianos!...

Depois em menos de um segundo
a capela ficava vazia...
_ Retorna ao ar o serviço de alto-falante
da Capela de Nossa Senhora de Fátima...

Novamente a poeira levantava,
era festança na roça...
O tio Manecão,
o velhote e fanfarrão
agitava a criançada.
O amalucado Pipa
suava em bica,
correndo atrás do Indé...

Lá pelas tantas, antes da meia noite,
compadres e comadres se despediam,
entre abraços e apertos de mãos
a última canção tocava.

Neste momento, sai do ar
o serviço de alto-falante
da Capela de Nossa Senhora de Fátima
prometendo voltar no sábado que vem.

VÍDEO - PASTO VERDE

PASTO VERDE


No pasto verde
as vacas ruminavam
o capim do tempo.
Os coqueirais brincavam
com a minha cabeça
e tudo tinha asas.
Luzes misteriosas
voavam sobre os morros
e as lamparinas
eram estrelinhas aladas
caídas do céu

No pasto verde
as vacas dormiam
enquanto os tios
contavam histórias.
Na minha cabeça
tudo tinha asas...
O homem pisou na lua
e o mundo não acabou.

Do pasto verde
as vacas sumiram.
Caíram por terra
as profecias da vovó.

MEU RIBEIRÃO


Meu ribeirão,
meu ribeirão.
Como se fosse
um lago encantado
onde as crianças
nadavam,
brincavam
de pega, pega
pega ladrão...
Só que ladrão
ninguém era não.

Meu ribeirão,
meu ribeirão.
As crianças cresceram
ganharam o mundo
e tu ficaste com tuas pedras,
tuas corredeiras,
teus peixinhos,
prisioneiros,
abandonados
em tua melancólica rotina.

Meu ribeirão,
meu ribeirão.
Maldita geografia
que ignora tua poesia!...

MORRO DO GABRIEL


No verde,
tão verde
das árvores rasteiras,
das benquistas goiabeiras
escondias um verde,
mais verde ainda...
Era o verde
dos musgos umedecidos
sobre pedras adormecidas...

Morro do Gabriel
palco dos pássaros que cantavam,
das borboletas que bailavam
diante das flores silvestres...

Morro do Gabriel
dono de uma luz misteriosa
que vagava sobre os arvoredos
nas noites sem luar.
Era uma luz confusa
que roubava meu sono de criança,
quase em pranto,
fechava os olhos
e a luz não se apagava.

VÍDEO - MANGUEIRA MAJESTOSA

MANGUEIRA MAJESTOSA


Mangueira, verde,
Dadivosa, florida...
Há quanto tempo
és árvore mãe completa?...

Nos galhos rudes e tortuosos
gerações de crianças malabaristas
brincaram, ainda brincam...
Por quanto tempo hão de brincar?

Eras abrigo de pássaros cantores.
Nas tuas folhas verdes a canção do vento
quebra a monotonia do tempo.
Há quase um século
roubaste um espaço,
tornaste árvore absoluta,
nos tempos áureos das moto-serra.

Manga, mangueira.
Manga doce mel...
De bigodes amarelos
As crianças se deliciavam.
Sob o frescor sombrio
de teus galhos frondosos,
eu, poeta menino,
quase dormia.

CHEIROS DA NATUREZA


Ainda sinto o cheiro
da relva orvalhada,
da terra fértil molhada
pelas chuvas de janeiro.
Ainda sinto o cheiro
das mangas maduras,
dos cravos e das rosas,
dos currais e dos galinheiros.

Ainda sinto o cheiro
do cafezal florido,
dos humos pútridos
e das velas queimando na capela.
Ainda sinto o cheiro
do capim gordura, ao vento bailando,
das cabras e dos bodes pastando
diante da minha acanhada janela.

Ainda sinto o cheiro
dos paus de fumos perfilados ao sol,
das espigas de milho no paiol
e do café secando no terreirão.
Ainda sinto o cheiro
dos araticuns floridos,
dos arreios velhos esquecidos
nas paredes do galpão.

Ainda sinto o cheiro
do moinho de fubá,
de um pobre gambá
no tronco oco da goiabeira,
das uvas maduras no parreiral,
das roupas secando no varal
e do perfume da cabocla namoradeira.